sexta-feira, 24 de maio de 2013

Artigo
Ser ágil é ser disciplinado
Escrito por:
Frederico Tomazetti


Frederico Tomazetti
Analista de desenvolvimento
Microuniverso – BH/MG

No começo as siglas e os termos em inglês assustam um pouco, “product owner (PO)”, “Scrum Master (SM)”, “Back log”, etc. A associação com o Rugby (scrum1, jogada deste esporte) também não diz muita coisa para nós que nascemos chutando uma bola redonda para dentro das traves do futebol que balançam suas redes como sinal da vitória.

Quem chega de fora tem a falsa idéia de que o mundo acabou e começou outro naquele lugar onde pessoas discutem metodologias ágeis de gerenciamento de equipes. Mas aos poucos, com um pouco de prática e estudo, percebe-se que não estamos encarando nenhum bicho estranho ou um dragão indomável.
As técnicas ágeis de gerenciamento são formas diferentes, inovadoras e práticas de fazermos o nosso trabalho diário de um jeito que possamos ir para casa com a sensação do dever cumprido e possamos dedicar nosso tempo fora do trabalho para nós, para a nossa família, para as nossas vidas.

A primeira vista parece que a coisa toda é uma bagunça, algo sem um controle, que não vai funcionar, que é apenas mais uma invenção louca de quem tem a cabeça nas nuvens. Mas basta por em prática as técnicas e métodos sugeridos pelo gerenciamento ágil e percebe-se logo que a primeira e mais importante característica que precisamos ter para que tudo funcione de forma correta é “disciplina”.

A disciplina é a base de tudo, a responsabilidade individual é que dá sustentação a uma equipe que pensa em ser auto-gerenciável, que quer, um dia, não precisar de ninguém dizendo a todo instante o que deve ser feito e cobrando a cada meia hora se já está pronto. Afinal, Deus fez o mundo em seis dias porque não tinha ninguém perguntando quando iria ficar pronto.

A medida que as técnicas de gerenciamento ágeis são implementadas vamos percebendo que trabalhar muito é sinônimo de trabalhar errado, excesso de trabalho não é mais a característica marcante de um bom profissional. Passar 12 ou 14 horas por dia no trabalho, não poder sequer almoçar direito, não ter sábado, domingo ou feriado para descansar, ficar impossibilitado de tirar férias, vira exemplo, agora, de profissional sem agilidade, engessado a antigos paradigmas caóticos de trabalho.

A melhor notícia que pode-se dar sobre a implementação de técnicas ágeis é que a coisa começa com o que já existe, a mudança não é um “final cut”, ou seja, não é um corte final, uma ruptura imediata de um método de trabalho para adotar outro completamente diferente. A primeira coisa que se faz é medir o esforço da equipe, mensurar a capacidade de produção e também ver o quando de retornos e ciclos viciosos existem no trabalho diário. Através de informações visuais diárias, o método kanban2, pode-se mensurar o quanto se produz e o quanto se perde de produção, seja em qualquer tipo de produto, desde a fabricação de foguetes, automóveis, aviões de papel, oficinas de manutenção ou fábrica de softwares, este último o nosso foco de trabalho.

As medições diárias de produção nos darão informações confiáveis sobre a situação da equipe, qual a sua capacidade, quais suas deficiências, onde agir para melhorar, onde focar treinamento, onde investir para manter o que já temos de bom dentro de casa e principalmente como agir para o futuro, quais tarefas podemos colocar em prática com a certeza que será feita dentro do esperado e com a qualidade desejada.

Com estas informações em mãos os Scrum Masters3 poderão direcionar tarefas, barrar excessos e também modificar planejamento no meio do caminho de forma que as necessidades de produção sejam atendidas dentro do limite de trabalho aceitável para se ter um produto confiável.

Ao se implantar métodos ágeis de trabalho, pode-se mudar o rumo de um projeto em andamento sem necessariamente perder o foco no objetivo principal, que é entregar o produto com qualidade no final do processo.

Com o passar do tempo e com a implantação completa dos métodos ágeis de gerenciamento a criatividade individual aflora com mais intensidade e aos poucos a equipe toda será um grupo criativo de profissionais, capazes de produzir boas idéias e por consequência bons produtos e boa lucratividade.

Métodos ágeis é uma terra fértil para o desenvolvimento criativo das pessoas e para transformar esta criação toda em algo útil e rentável.

Tudo até aqui parece tão lindo, tão perfeito, mas nem tudo são flores em um processo de mudança de paradigmas e a principal dificuldade, como não poderia deixar de ser, são as pessoas. Mudar, para a maioria de nós, é sinônimo de estorvo, incomodação. Muitos de nós já estamos trabalhando do mesmo jeito há vários anos e a coisa parece que está tão bem! Mudar vai dar trabalho, vai atrapalhar o que já fazemos tão bem e no “automático”.

É tão bom sairmos de casa cedo, chegarmos ao trabalho e termos alguém para nos dizer o que devemos fazer, não precisamos sequer pensar no que deve ser feito e porque deve ser feito. A tarefa já está lá, basta executá-la. Feita a nossa parte, passamos a bola para frente e o próximo responsável pelo processo que se vire com suas responsabilidades. No fim do dia voltamos para casa com a mesma formação mental que saímos, em suma, um dia se passou e continuamos a mesma pessoa, não evoluímos intelectualmente um degrau sequer. Isso nos remete a clássica cena do cinema mudo vivida por Chaplin em seu filme “Tempos Modernos”, onde Carlitos literalmente entra em parafuso de tanto rosquear porcas em uma esteira de produção.

Este é o ponto mais difícil da implementação dos métodos ágeis. Iremos enfrentar pessoas engessadas e também organizações estruturadas de forma rígida, nos antigos moldes do exército, onde não há um “facilitador” e sim um “supervisor”, alguém que vigia ao invés de orientar e colocar-se em posição de auxilio.

Estes impedimentos são os principais responsáveis pelos fracassos nos processos de mudanças, muitas vezes fracassos que custam caro, desestimulam talentos, podam a criatividade individual e até mesmo levam ao encerramento prematuro das atividades de empresas que lutaram por décadas por um lugar ao sol.

Para ser ágil são necessárias muitas coisas e ao mesmo tempo tão poucas. Para começar basta ter a disciplina e a vontade de mudar, para continuar é necessário a perseverança e a visão de que não devemos mais voltar aos tempos arcaicos da administração por imposição.

Todos hoje querem agilidade em tudo. Por que nós ficaremos para trás?


 
1 - Scrum – Jogada existente no rugby onde a força do time unida visa vencer a barreira adversária.
2 - kanban - Palavra japonesa que significa literalmente registro ou placa visível.
3 - Scrum Master – Pessoa dentro da equipe responsável por orientar o uso da força para melhor direcioná-la ao objetivo final, que é vencer a barreira adversária.

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